AIPRAL acompanha como signatária a iniciativa que organizações evangélicas e pessoas congregadas nas mais diversas denominações, unidas no entendimento da colaboração cidadã nesse momento de pandemia por Covid-19, manifestam perplexidade frente à decisão do Excelentíssimo Senhor Kássio Nunes Marques, Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, em caráter liminar (provisório) que abre a possibilidade de favorecer a disseminação viral em contextos religiosos e outros
Nosso entendimento é que reabrir os templos e espaços físicos eclesiásticos para a realização de cultos presenciais em um momento em que morrem quase 4 mil pessoas por dia é absolutamente equivocado. É conhecido que há mais desvantagens do que vantagens em permanecer em um ambiente fechado sem circulação de ar. Desejamos retornar aos cultos presenciais e defendemos essa condição após o amplo processo de vacinação da população brasileira, ainda assim, mantendo todas as demais regras de controle, como uso de máscaras, higienizações criteriosas dos espaços físicos etc.
Segundo o Excelentíssimo Senhor Ministro do STF Kássio Nunes Marques, sua decisão diz defender a não eliminação dos cultos religiosos e a supressão da Religião. Compreendemos que a restrição para celebrações presenciais não viola o artigo 5º, VI da Constituição Federal, que garante a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias. Obviamente que, diante do momento pandêmico e de restrições sanitárias necessárias em favor da vida, a não realização de atividades religiosas presenciais não impede a realização de celebrações nos diversos espaços virtuais que as novas tecnologias atuais proporcionam e que configuram a nova realidade global.
Observamos que os decretos estaduais e municipais com medidas de restrição são de caráter temporário e não permanente, e visam mitigar a crise sanitária amplificada com as novas variantes do Coronavírus em todo o país. Esses decretos não incidem na liberdade de culto, que é um Direito Constitucional fundamental caríssimo ao Estado Democrático de Direito, eles não privam a nossa liberdade de culto que pode ser exercida em ambientes domésticos e virtuais, resguardando a segurança física e a dignidade da pessoa humana. Os referidos decretos estaduais e municipais incidem no direito fundamental à Saúde da população brasileira, como salientou S. Exa., o Ministro Lewandowski, o “Federalismo Cooperativo exige que seus integrantes (governo federal, governo estadual e governo municipal) se apoiem mutuamente, deixando de lado as divergências ideológicas e partidárias dos governantes”.
Lembramos ao magistrado que a centralidade da prática religiosa “… pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se incontaminado do mundo” (Tg 1: 27) Em tempos de pandemia, amar a Deus é não expor a si e aos outros irmãos e irmãs a um possível e grave risco de contaminação. Igualmente, reforçamos que a sabedoria bíblica indica que não se pode adorar a Deus no sepulcro (Sl 6:5).
Enquanto membros de comunidades de fé, desejamos ardentemente nos encontrar em nossas celebrações coletivas. Contudo, é falacioso que igrejas estão sendo “fechadas”. Precisamos lembrar que os espaços religiosos são meios da vivência religiosa e não sua finalidade. A Igreja não é o templo, mas seres humanos criados à imagem e semelhança do Criador e ela é composta por pessoas vivas e que lutam pela preservação da vida. Proteger cada uma destas pessoas que formam a Igreja de todo e qualquer mal que ameace sua existência é o que assegura a liberdade de nosso culto a Deus. As ações das igrejas são ainda mais limitadas e ameaçadas com a morte de seus membros, como se vê aumentando a cada dia em virtude da Covid-19. Promover o ajuntamento de pessoas no momento em que enfrentamos uma pandemia mortífera é uma espécie de sacrifício programado que ameaça a existência da vida.
O uso do argumento de que igrejas estão sendo “fechadas” nos parece de compreensão inadequada e perigosa. O fechamento dos templos também deve ser orientado pelas recomendações dos cientistas frente às atuais necessidades do Sistema Único de Saúde e do Sistema Privado de Saúde no país, com superlotação nas UTIs e CTIs relacionados aos casos graves de COVID-19. Os especialistas nos alertam que o cenário epidemiológico atual requer medidas mais restritivas de isolamento social para diminuir a circulação do Sars-CoV-2 e suas variantes, sendo inconcebível a promoção de ajuntamentos de qualquer natureza, incluindo de fiéis no espaço do templo de suas comunidades de fé.
Entendemos que as igrejas evangélicas devem ser responsáveis pelas boas práticas cidadãs em tempos de pandemia com graves consequências para a saúde pública. Não deveria sequer ser uma questão abrir e realizar ajuntamentos religiosos. Na pandemia da “gripe espanhola” as igrejas, espontaneamente, fecharam os templos e serviram aos mais necessitados. E, como já salientamos, a Igreja não é um templo; mas o corpo de seres humanos que depositam sua fé em Jesus Cristo. Apenas uma visão distorcida da espiritualidade cristã é que considera que Deus esteja confinado em quatro paredes de templos feitos por mãos humanas. Não há culto melhor que a responsabilidade amorosa, solidária e cidadã, que, ao cuidar do próximo e da manutenção da vida no mundo, honra a Deus.
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